06 novembro 2010

#9

Escrevi não escrevendo

Durante essa semana, Miguel ligou a Ana todos os dias. E durante meia dúzia de impulsos renovavam o que sentiam, atropelavam-se nas palavras, procuravam-se na voz.
Dito assim, até parece que a semana passou num ápice, mas não passou. Ana não via a hora de voltar a ver Miguel. O tempo não passava. Ele tinha-lhe prometido uma surpresa. Na terça-feira perguntou-lhe se o correio já tinha passado em casa dela. Ana disse que não mas ficou a perceber que a surpresa envolvia o correio e então passou a desesperar pelo homenzinho que chegava ao início da tarde. Na quarta-feira chegou de facto um envelope. Era dele. Mas se era dele, teve que ser enviado logo na segunda! E ele só tinha ido Domingo!
Ana estava impressionada.

Agarrou o envelope como quem recebe um tesouro. Cheirou-o. Reparou em todos os pormenores. Abriu-o e no seu interior estava um postal. Um postal com um desenho. Na parte superior do postal estava um pedaço de mulher, de biquíni a sair do mar e um velhote à espera, todo guloso. Na outra metade do postal o desenho mostrava, que afinal a boazona estava a ser carregada aos ombros por um homem feito de músculos e o velho guloso estava só triste. No verso nada escrito. Apenas um post scriptum que rezava assim: “Espero que tenhas gostado das lindas palavras que te escrevi”.

Ana voltou a abrir o envelope. Estaria outro papel lá dentro? Não. Então a que palavras se referia ele? Sempre a brincar, pensou. Guardou o postal no meio do seu diário.
Já no fim da tarde, como era hábito, o telefone tocou: “Recebeste o meu postal? Estive para não ligar uma vez que sabia que ias receber o postal, mas não resisti.” Ela riu. “Só para que entendas, o velho sou eu e a rapariga és tu”. Ele riu.

E assim conseguiram sobreviver a uma semana sem nadarem nos olhos um do outro.

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